domingo, 19 de setembro de 2010

O que mais há sobre isso?

A convivência entre o teatro e a Igreja na Idade Média



A Igreja Católica consagrou seu poder durante a Idade Média por mais de dez séculos e sua presença firmou-se através de interferências cruciais na política e na economia, além de moldar o comportamento social da época. Na educação, privilegiou aristocratas e colaboradores de suas ideologias e para isso lançou dogmas, proibiu livros e condenou pessoas. Não é preciso detalhar as fogueiras em praças públicas. Também desprezou a sabedoria popular e dentre outras arbitrariedades baniu o teatro, provavelmente por reconhecer nele uma forma poderosa de manifestação do pensamento e de transformação da sociedade.

A condenação da linguagem teatral custou a vida e perseguição de muitos atores. Por longo tempo mantiveram suas atividades apenas os mimos, às escondidas, os menestréis e os acrobatas, sustentados por alguns senhores feudais.

Ironicamente, a própria liturgia cristã trazia uma força de representação, contendo em si o vigor teatral. Em algum momento isto se fez notar e se por um lado a Igreja Católica Medieval desmantelou a expressão cênica, por outro apropriou-se desta arte que, na verdade, é inerente às relações humanas.

Diante de tanta repressão não é difícil imaginar que "ovelhas" desgarraram-se do grande "rebanho do Senhor". Tal afastamento de fiéis estimulou aos clérigos elaborarem uma estratégia de atração às suas paróquias por algo próximo à linguagem teatral já que sua liturgia é repleta de elementos dramáticos. Fundamental nesse processo que se deu, principalmente a partir do século XI, é como o espaço clerical foi utilizado gradualmente com o fim de controlar e inculcar nos participantes a construção de um teatro que estivesse pronto a servir ao interesse católico.

O altar-mor da igreja inciou na Europa o processo de dramatização com as frequentes execuções de Tropos com Tableaux - uma forma imóvel de representar cenas do Antigo Testamento. Tal imagem pode ter emocionado amiúde as pessoas nas missas, sobretudo nas festas de páscoa e natal, necessitando assim uma maior dinâmica litúrgica. Aos poucos, quando a língua vernacular ocupou uma pequena parte das cerimônicas, naturalmente os fiéis aumentaram seu interesse e sua assiduidade, motivos esses que estimularam, ao clero, mais inserir maior dramaticidade com a finalidade de "instruir" ao povo.

O Tableau logo tornou-se insuficiente e cedeu lugar a outros tipos de representação, tais como os milagres, os mistérios e os autos - sempre trazendo temas religiosos importantes. Rapidamente a nave central da igreja foi tomada de cores de figurinos elaborados, cantos e diálogos. O poder imagético influenciou demasiadamente, fazendo com que aumentasse tanto a importância do evento quanto a presença e colaboração por parte da comunidade. Quando as apresentações transferiram-se para a frente da igreja, isto é, quando tomou o seu lado externo, o número de envolvidos na produção cênica era grande e trouxe novas formas que incluíam desde a procissão, passando pelas estações cênicas, palcos simultâneos até chegar aos carros-palco. Era o teatro religioso invadindo as ruas, voltando ao povo e, no devido tempo, reincorporando elementos alegóricos e profanos.

A história mostra que o teatro esteve "ausente" do cenário público na chamada Idade das Trevas, mas continuou em estado latente o tempo todo. A Igreja perdeu, o teatro ganhou? É bem possível que perdas e ganhos se deram para ambos os lados sem se deixar de firmar convicções que se fazem presentes na religião, na arte e no homem.



O que mais há sobre isso?

Referências bibliográficas:

Carlson, Mavin. Teorias do teatro. Ed. Unesp. SP, 1995.

Berthold, Margot. História mundial do teatro. Ed. Perspectiva,SP, 2000.